Sunday, February 25, 2007

E uma vez em Estoi...

... não poderíamos deixar de passar pelas ruínas romanas de Milreu!
As ruínas de Milreu constituem exemplo de uma uilla rustica, cuja origem esteve ligada ao crescimento económico do séc. I na Hispânia e na Lusitânia e que, numa época romana tardia, foi transformada em edifício de luxo. Em 1877 Estácio da Veiga efectuou uma escavação em extensão destas ruínas.
Do lado oriental, pouco afastados da uilla, reconhecem-se dois mausoléus: um do séc. I-II, rectangular, que contém um columbarium abodadado destinado a receber uma dezena de urnas cinerárias e sobre o qual se erguia um templete funerário; o outro é semelhante, mas possui uma câmara que se destinava a conter um sarcófago.
No séc. II, com novas obras, surgiu uma residência de peristilo e átrio, tendo sido utilizada até finais do séc. III, altura em que foi modificada com alteração profunda da pars rustica. A parte agrícola foi colocada a oriente da área residencial, onde se reconhecem os alojamentos para os criados e um lagar (hoje soterrado). A área residencial aproveitou parte das construções da uilla do séc. II, organizando-se em torno de um grande peristilo central com colunas, rodeando um pátio aberto com jardim e respectivo tanque de água. Do edifício fazem parte um átrio com fonte e repuxo, os aposentos íntimos, com salas aquecidas, a cozinha, uma grande sala com abside, que servia de triclinium e as termas, com o característico sistema de salas e tanques aquecidos.
No séc. IV a entrada foi modificada com um vestíbulo de dupla abside ladeado por pequenos tanques de água. Na mesma altura, a uilla foi novamente embelezada com mosaicos, com representações da fauna marinha. Esta temática repete-se nas paredes de uma banheira no pequeno frigidarium (banhos frios) das termas, onde os peixes representados são exageradamente gordos: vistos através da água, por ilusão óptica, não só aparentavam mover-se como as suas dimensões ficavam reduzidas à normalidade.
Também no séc. IV, do outro lado da uilla, foi erguido um edifício religioso ricamente ornamentado, passando o proprietário de Milreu a possuir um centro de culto privado. Logo em frente à entrada, encontra-se um tanque de água, semicircular, decorado com mosaicos representando peixes. O edifício era ricamente colorido, como testemunham os fragmentos de mármore e a parede do pódio, decorada em redor por um friso de mosaico policromo figurando peixes. O arquitecto concebeu a cella de forma quadrada, com uma abóbada de arestas e uma abside semicircular, com a meia cúpula decorada com mosaicos policromos. No século passado existia ainda no centro da cella um tanque poligonal: nessa posição central, só pode ter servido na liturgia de culto a uma ninfa, em que a presença da água substituía uma nascente, servindo a abside semicircular para aí ser colocada uma estátua.
A partir do séc. VI, o edifício pagão foi transformado numa igreja cristã, tendo sido descoberto no pátio uma piscina baptismal rectangular. Este recinto foi também transformado em cemitério, com sepulturas rodeando o pódio e com um pequeno mausoléu.
As inscrições funerárias gravadas entre os finais do séc. VIII e inícios do séc. X numa das colunas, mencionando uma família de muladis, Al- Hâmmû ("das caldas") demonstram, juntamente com os níveis arqueológicos mais tardios, a continuidade do povoamento até quase ao período do Califado omíada de Córdova e fazem supor que o edifício religioso também serviu de oratório e cemitério na época islâmica.
Só quando, na 1ª metade do séc. X, as abóbadas ruíram, o sítio de Milreu foi provavelmente abandonado. Muito mais tarde, nos finais do séc. XV ou inícios do séc. XVI, o local viria a ganhar uma nova vida quando, sobre as ruínas há muito abandonadas, foi erguida uma casa - único e precioso exemplo algarvio desse tipo de arquitectura civil com contrafortes cilíndricos.

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